terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O Mundo
Por Luiza dos Passos Ferreira
Para Felipe R., Fábio I., Vítor L., Rafael S. e Daniel C.


Quando tudo começou, ela era uma e estava sozinha. O mundo era vasto demais, e as portas eram poucas. O céu era cinzento e o chão era infértil. Não havia sementes, e a noite era eterna e sem estrelas.
Mas uma pequena luz de repente juntou-se a ela, e então às noites se sucederam dias, e estrelas surgiam nos céus. Mas o mundo ainda era vasto demais, o chão ainda era infértil e as portas ainda eram poucas.
Mas eles cresceram juntos. E fizeram das noites e dias memórias felizes.
Muito tempo se passou, e o tempo se encarregou de abrir mais portas. Eles acabaram por tomar caminhos diversos; mas o sol e as estrelas já estavam lá, para lembrá-los um do outro.
O destino encarregou-se de juntá-los uma vez mais, e a ela trouxe mais uma luz, sábia como as corujas e calma como a superfície do lago invernal, timido como a aurora da manhã.
E então o chão já era fértil, e o verde quis tomar conta do chão que ela pisaria dali para frente.
No meio deste verde, depois de algumas passadas, foi que ela pôde achar ainda uma outra luz; e esta era variável como o ciclo da vida - algumas vezes ativo como os raios solares. Em outras, dormente como as nuvens na calmaria.
Com ele, vieram as estações, e com as estações, vieram as cores, as flores, as árvores e os frutos.
E uma puxadela ainda do meio do verde revelou uma quarta luz, falante como o vento e a água nos dias de tempestade, repetitivo como o bater de asas de um beija-flor.
E o canto dos pássaros agora enchia o mundo, que era belo e sorridente.
Todos caminhavam neste mesmo mundo, e caiu do meio das copas das árvores a quinta luz, também falante como o papagaio, mas variado como a própria natureza e orgulhoso como o leão - ainda que brincalhão como um filhote.
O mundo, então, já não era tão vasto, porque estava completo. Todas as portas se abriam e tudo era luz.
E quando isto terminou, ela já não era uma e já não estava sozinha.


***


Esse é meu presente de Natal, crianças, já que dinheiro pra dar chocolate pra vocês eu não tenho!
Je vous aime, mes petit.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Passado
Por Luiza dos Passos Ferreira

Este ar melancólico do anoitecer... O frio escuro que abraça a cidade, cheia de luzes... O inverno caiu, aqui, onde não me podes ver, ou ouvir. Minhas memórias de ti já são escassas, e não posso esconder minha ansiedade e tristeza quando penso no que foste para mim, e no que te tornaste.
A verdade é que já não mais sei invocar teu rosto, e ele pouco significa, embora a menção do teu nome seja assunto delicado. E, no entanto, já se vão quatro invernos desde aquele...
Nossas vidas estão irremediaelmente separadas: tu encontraste teu caminho e eu, o meu. Léguas e anos nos separam. Mudamos demais. Mudei demais.
Há quanto tempo não contemplas o desesperado céu de tua - de nossa - cidade natal? Quantos dias, semanas, meses se passaram, desde que aqui puseste teus pés pela última vez?
Tentando amenizar a dor de afastar-se de tudo, de tudo procuraste esquecer, bem o sei. Sei também que fui esquecida, conquanto não houvesse um único dia sem que de ti eu me recordasse.
Apesar de tudo, pude te superar - enfrentei, todos os dias, teu rosto. Olhei, temerosa, para a dor e o medo de jamais ter-te outra vez, até que pude aceitá-los de uma vez por todas.
Por que dizer tudo isso, afinal?
Ora, talvez porque tens povoado meus pensamentos com excessiva frequencia. Ou, talvez, para dizer-te que, de ti, restaram apenas os momentos: memórias estas que acalento com o amor que um dia senti por ti.