sábado, 6 de fevereiro de 2010

Foto
Por Luiza dos Passos Ferreira

De ti restaram as memórias. E esta foto.
Nada mais evidencia que um dia te conheci, ou que exististe, ou que passaste por minha vida; não passas de uma imagem.
Não passas desta foto que me encara todos os dias, de cada flor, de cada pontinho do céu, de cada onda, de cada pássaro.
Teu rosto está em todo o lugar, mas não sai desta foto. Na verdade, já não posso mais evocá-lo na minha memória. Posso ver-te apenas nesta foto, já antiga, meio amarelada pelo tempo, meio cansada destes anos que cansaram também meu coração.
Não tenho nada teu a que me agarrar. Uma pedra, um botão, um pedaço de pano, um bilhete, nada. Apenas esta foto. Só esta foto, em que nunca tocaste, e que talvez nunca tenhas visto.
Tua voz, de alguma maneira, é o que sobrou na minha memória. Lembro-me vagamente do pôr do sol, da tarde, do riso, dos gritos, da tua voz perto de mim. Lembro-me das nuvens no céu, e lembro das pedras no chão que eu conheci melhor que a palma da minha mão. Lembro-me do som dos sinos, lembro-me de um certo nervosismo incontido. Mas lembro-me, sobretudo e com perfeição, da sensação aérea e agradável que pairava sobre nós. Lembro-me enevoadamente de amar-te...
Tenho ainda hoje a impressão de que os anjos desceram à Terra, ou talvez nós tenhamos subido aos céus. Mas isto, por certo, é apenas esta minha imaginação fragilizada, deixada à revelia por tanto tempo, e tantas saudades, que acabaram por apagar-se...
Um dia também há de se apagar esta foto, esta única lembrança de ti a que posso agarrar-me. Guardá-la-ei enquanto me permitir o tempo. Guardá-la-ei como o mais precioso dos segredos, para que ela não se desgaste muito e viva sempre a aparecer nas minhas memórias quando eu menos esperar, e que me faça sorrir dos tempos em que acho que me amaste. Mas eu bem sei que o mais precioso dos segredos acaba por amarelecer, enquanto outros segredos vão-se sobrepondo... E esta foto, também, vai amarelar até... Até que de ti já não reste mais nada.

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