sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O Sonho
Por Luiza dos Passos Ferreira

O céu está cinzento. O mundo gira em sua lentidão rápida demais e o tempo não perdoa os seres que caminham apressados em busca de um outro vazio que vá preencher os seus próprios. Todos olham para seus pés, cuidando apenas daquilo que podem alcançar. Os seres humanos ocupam-se de si mesmos.
Apenas um deles parece não ter aprendido a lição. Ele olha para os céus, sempre esperançoso, sempre esperando. Sabendo que, cavalgando nas nuvens, está o seu destino.
E é nas nuvens que se escondem os seres que fazem elevar os olhos dele. Ele não pode ver os belos seres aladose perfeitos desde a sua concepção, aqueles seres eternos como as ondas dos mares. Mas ele os pressente. E espera.
No entando, nenhum dos seres que cavalgam as nuvens pode ou quer vê-lo: ele é apenas mais uma das pequenas formigas que lá caminham. Ele não ousa visualizar ou tentar imaginar um destes seres magníficos. Mas, em seu coração, uma ideia de eterna leveza, um sopro de elevada pureza, um olhar de incontestável carinho vai-se formando. O coração dele é solitário, mas sabe esperar.
Até que, em um destes giros efêmeros e contínuos que este planeta insiste em dar, uma pequena nuvem separou-se das outras.
Não há nenhum ser alado nesta nuvem. E ele não pode vê-la; dorme na relva verde e fresca.
Seus sonhos vão tomando forma: cabelos curtos, mãos de dedos finos, pés delicados, corpo feminino e belo, asas da cor da lavanda, macias como o pelo de um gato.
Esta criatura alada percebe o mundo lá embaixo. Ele ainda dorme, e ela pode vê-lo. Ela desce devagar - também precisa preencher o seu vazio. Ela dança com o vento, canta com os pássaros, sorri com as flores.
E quando ela o toca, por um único instante, ele abre os olhos.
E tudo é azul, violeta, verde, vermelho, branco, rosado. O vento é brisa, o sol é luz visível, o calor é aconchego, o frio é alívio, e todas estas coisas são uma só. Por um único instante.
Mas este instante não é eterno.
Ela sente desvanecer. Ele sente que seu sonho e seu coração desaparecem.
Duas lágrimas caem dos céus, e ele já não está na relva nem na Terra, enquanto ela já não está nas nuvens nem no vento.
Mas completaram-se.

***

É, digamos, um presente de compensação, Petit Chat.

Um comentário:

Unknown disse...

Lindo texto, não tenho palavras para explicar o quanto me identifico com o que escreveu =]